Do’ente indesejado, lhes direi um nome: Glau.
Do inconveni’ente, lhes nego o parentesco: grau.
Glau veio a ter com minha família
e o quando eu não sei. Sequer tenho certeza sobre nosso parentesco, embora
reconheça que compartilhamos os genes de meu pai. De seu passado recordo apenas
que era franzino, fraco, mendigando alguns de nossos cuidados e recursos. Com o
passar dos anos, se alimentando de tudo o que tínhamos se tornou vigoroso;
conosco, estreitou relações; alegou intimidade; tomou tamanha liberdade que seu
convívio nos consome o tempo, nos perturba a paz e nos custa os olhos da cara.
Glau é um parasita! Glau devora tudo o que vê. Se
pudesse, nos comeria as vísceras, as entranhas, nos comeria os olhos. Tamanha
fome... um fomecida...Glau glutão.
EM NOME DO PAI – o mito de Dom Sebastião e sua volta (a
enxergar)
Há de se confessar que Glau nos mudou o modo de ver. O
primeiro que passou a ver tudo diferente foi meu pai. Ele que a tudo via,
passou a experimentar o mundo pela metade. Seus dois olhos o faziam narrador
onisciente. Sabia tudo. Tanto sabia, sobrenome Teimosia. Mais vale um olho na
cara, do que dois na face alheia. Mais vale ser ciclope de si mesmo, que de Argos
ser algoz. Algo a ser dito: visto...visto
que para terra dos cegos obteve visto:
Hei de dizer como Salomão, o rei,
Em um de seus Livros de Reis, eis:
Em terra de olho, quem tem cego, errei!
EM NOME DO FILHO – a receita de Dom Rodrigo (o doce) http://pt.wikipedia.org/wiki/Dom_Rodrigo
O mesmo mal padeço
do’ente. Dos entes do’entes. Do mal de meu pai, o mesmo de Glau; de meu pai, o
mau, o mal de Glau. Narro, contudo, como
pessoa de primeira, ao contrário de meu onisciente pai, narrado e narrador de
terceira. Sou personagem de mim e de mim anti-herói. Prot’agonizo um enredo,
ant’agonizo a Glau. Se ainda não o venci, já dele me preveni. Abri os meus
olhos contra o fura-olho Glau.
EM NOME DA ROSA – O nome da Rose
http://pt.wikipedia.org/wiki/O_Nome_da_Rosa
http://pt.wikipedia.org/wiki/O_Nome_da_Rosa
Minha irmã, narradora-observadora,
pensando não participar da trama... do drama, não se observando observadora,
supôs sempre narrar em terceira pessoa. Via-se intocável quanto ao traiçoeiro
Glau, e, num piscar de olhos, abriu olhos já feridos pelo fulano de tal - Descoberta
repentina das feridas na retina. De terceira pessoa, passou a narrar-se em primeira,
e de primeira pessoa a segunda voz na família a contar-se vítima de Glau.
Ela, da Saúde, sem saúde. Eu, de humanas, desumano.
Ela, da Saúde, sem saúde. Eu, de humanas, desumano.
Ela, otimista à vista. Eu, um malvisto pessimista.
Ela, com olhos de águia. Eu, com os meus cheios d’água.
Pai nosso, meu, da minha irmã e do pai nosso, que
estais nos seus. Do desesperado Édipo, ao clamor de Bartimeu, da derrota de uma
esfinge ao mendigar de um judeu – eis um trono a ser trocado pelo barro em
cuspe teu. O pão nosso de cada dia nos dá hoje, para que também dele coma Glau.
E não contente coma a todos, do pão de Ló ao pão de Jó, do pão de alho ao pão de
olho. Pois que coma. Coma Glau. Coma meus olhos em coma. Glaucoma!
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